Deixou de ser a cristandade a vender a imortalidade, passou a ser o capitalismo. A maior diferença entre a maioria dos religiosos e a maioria dos ateus, é que os religiosos acreditam que podem ser imortais num outro mundo, e os ateus neste. As catedrais passaram a ser os centros comerciais; se algum problema existe, lá deve existir a resposta. E, assim, a imortalidade é algo natural no ocidente.
A morte, que antes pertencia àqueles abandonados por Deus por irem contra ele, pertence àqueles que não seguem o modo de vida ocidental, a eles é algo natural, tão natural que as mortes nesses países nem são notícia no ocidente; só a morte de um imortal é que é notícia. Quando ouvimos notícia de mortes do mundo não-ocidental, não é a morte deles que é a notícia, mas sim quantos mortos ocorreram.
Voltando ao nosso texto inicial. Podemos melhor saber o porquê de ele se achar imortal, mas isto não responde ao porquê de ele ter gasto os seus dias a comprar a caixa. Ele acreditando ser imortal, podia ter gasto os dias em outras coisas, no entanto não o fez.
Porquê?
O que leva a sociedade a gastar os seus anos de vida a pagar objectos?
Recuemos de novo ao tempo da expansão do cristianismo pelo mundo. O mundo era dividido essencialmente entre os civilizados e os bárbaros, sendo os civilizados os Europeus e os bárbaros todos os outros.
E porque os europeus se auto-intitulavam civilizados?
Tínhamos uma sociedade que escravizava, que passava boa parte do seu tempo em guerras, que tinha as ruas infestadas por doenças, onde liberdade era limitada e a população na sua maioria vivia na miséria. Nos bárbaros, em muitos tínhamos uma população com exactamente as mesmas características, mas com menos doenças e menos guerras, sendo muitas relativamente pacificas e onde a fome não existia. Mas entre os dois grupos existia uma diferença essencial: Nós tínhamos cidades, muitas delas, construídas com tecnologia que a maioria desses povos bárbaros não tinha. Cidades onde edifícios e estátuas imponentes, para a época, imprimiam no cidadão um sentimento de grandeza. Perante tal nos intitulávamos superiores. Não pelo que éramos, mas pelo que tínhamos. A cultura dos bárbaros pouco ou nada interessava, se eles não tinham o que nós tínhamos, a nós pertencia o título de civilizados. E quanto mais tínhamos mais superiores éramos. E a forma de comparação entre nações, passou a ser a forma de comparação entre indivíduos. Em vez de estátuas e edifícios passaram a ser objectos.
Isso não mudou. Hoje temos uma sociedade onde compete quem tem mais. A felicidade do indivíduo é algo a ser sacrificado em nome de um maior salário. O Indivíduo passou a ser escravo, e orgulha-se nisso. Para o ocidental, mais vale ser escravo e ter muito, do que livre e nada ter. A sua dedicação ao acto de ter sacrificou a formação da família. Antes um casal formava-se para poderem ter filhos, hoje um casal forma-se para pagar a casa, sendo que o que fica para a eventual criança é o resto do que sobrar do pagamento da prestação da casa e do carro. Onde antes matava-se o cavalo para dar de comida ao filho, hoje não se têm o filho para garantir que não falta comida ao cavalo.
E assim a caixa foi comprada pelo indivíduo, ele perdeu a sua vida a pagar algo que acreditava que ia ter no fim, mas no fim quem ficou com algo foi a caixa. A caixa ficou com a vida dele, a caixa não lhe dedicou nada e ele dedicou tudo à caixa. Ele nada dedicou a ele próprio.